ONTEM à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
*
Do céu azul na profundeza escura
Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do céu azul na profundeza escura.
*
*
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho — suspirava o lago...
E a verdade pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.
*
Era dos seres a harmonia imensa,
Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!"
Sol — não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura — não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!
*
"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
"Leva-me ainda para um novo galho...
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."
*
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio...
"E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!"
*
E tu no entanto no jardim vagavas,
E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.
*
Eras a estrela transformada em virgem!
Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da luta a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!
*
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!...
*
E eu, que escutava o conversar das flores,
E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, — não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente...
"E eu escutava o conversar das flores.
*
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!
"Também então eu murmurei cismando...
"Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."
***
(Castro Alves)
Nenhum comentário:
Postar um comentário